O integrante do CQC, que fez piada de péssimo gosto com Wanessa Camargo,
já falara coisas piores. Agora mexeu com esposa de milionário, que
ameaçou tirar anúncios da TV Bandeirantes. Ninguém classificou caso como
atentado à liberdade de expressão. Já quando ministra condena comercial
de lingerie machista, o coro é um só: “Censura”! Este texto é um plagio do blog http://plaggiado.blogspot.com/
Qual é o problema com a suposta piada de Rafinha Bastos? Ele antes já
exibira todas as cores de seu mau gosto e nada acontecera.
Todos conhecem a pérola, não? O
apresentador aproveitou-se de uma bola levantada pelo chefe da cena do
programa Custe o que Custar (CQC), Marcelo Tas, sobre a gravidez da
cantora Wanessa Camargo, e cortou ligeiro: “Eu comeria ela e o bebê, não
tô nem aí”. Foi logo acompanhado por risos e caretas de seus colegas
de vídeo, Tas e Marco Luque .
A grosseria foi ao ar dia 19 de setembro. A TV Bandeirantes, que exibe o
programa, levou duas semanas para decidir o que fazer. Em 3 de outubro,
o apresentador foi suspenso da bancada. Não se sabe se voltará.
Não foi a primeira vez que Rafinha exerceu sua – digamos – sutileza. Em
entrevista à revista Rolling Stone, em maio de 2011, ele saiu-se com
esta: “Mulheres feias deveriam agradecer caso fossem estupradas, afinal
os estupradores estavam lhes fazendo um favor, uma caridade”.
A gracinha com as feias não rendeu ao gaúcho de dois metros de altura
nada além de protestos de movimentos femininos. Mas a liberdade com a
cantora custou-lhe até agora, além do posto no programa, o cancelamento
de shows e o rompimento de alguns contratos de publicidade. Rafinha
perdeu grana com a brincadeira.
Pensamento vivo
Repetindo: qual o problema com as tiradas do rapaz de 34 anos, num
universo midiático em que o mau gosto, a boçalidade e o “politicamente
incorreto” passaram a ser valores em si?
Rafinha vive num tempo em que as demonstrações de preconceito, como as
do apresentador de outro programa de entretenimento da mesma emissora,
Boris Casoy, não têm consequências maiores. Todos se recordam da fineza
do jornalista ao desqualificar dois garis que apareceram em seu
programa para desejar boas festas, no final de 2009. Sem saber que os
microfones estavam abertos, ele foi ao ponto: “Que merda: dois lixeiros
desejando felicidades do alto da suas vassouras. O mais baixo na escala
do trabalho”.
O artista do CQC também sabe que o pensamento vivo de gente como o
deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) recebe destacada acolhida em
grandes meios de comunicação. Sua entrevista à revista Playboy , em
junho último, é pródiga em preciosidades. Segue um exemplo: “Moro num
condomínio, de repente vai um casal homossexual morar do meu lado. Isso
vai desvalorizar minha casa!”.
Outro luminar da intelectualidade midiática, o ex-compositor Lobão, por
sua vez, exibiu os músculos cerebrais em um festival de cultura em São
Francisco Xavier (São José dos Campos, SP), também em junho. Após
demonstrar criteriosamente que toda a música popular brasileira não tem
nenhum valor, ele sentenciou: “A gente tinha que repensar a ditadura
militar. Essa Comissão da Verdade que tem agora. (…) Que loucura que é
isso? Aí tem que ter anistia pros caras de esquerda que sequestraram o
embaixador, e pros caras que torturavam, arrancavam umas unhazinhas,
não?”.
Os exemplos são infindáveis. Rafinha provavelmente é leitor de Reinaldo
Azevedo, o blogueiro de Veja, que, em março de 2010, durante uma
palestra no afamado Instituto Millenium, em São Paulo, externou sua
particular concepção de liberdade de expressão: “A imprensa tem que
acabar com o isentismo e o outroladismo, essa história de dar o mesmo
espaço a todos”. Na mesma oportunidade, o cineasta aposentado Arnaldo
Jabor lançou o desafio de “impedir politicamente o pensamento de uma
velha esquerda que não deveria mais existir no mundo”. Impedir o
pensamento… muito bom!
A baixaria televisiva contaminou até mesmo as campanhas eleitorais.
Continuam na memória de todos os ataques da campanha de José Serra à
Dilma Rousseff, em 2010, sobre o tema do aborto. Em Nova Iguaçu (RJ),
Monica Serra, esposa do então candidato tucano, disse o seguinte sobre a
petista: “Ela é a favor de matar as criancinhas”.
Dois anos antes, a campanha de Marta Suplicy (PT) à prefeitura de São
Paulo já havia colocado en dúvida a sexualidade de seu oponente, ao dizer: “Você sabe mesmo
quem é o Kassab? Sabe de onde ele veio? Qual a história do seu partido?”
Em seguida, aparece a foto do prefeito: “Sabe se ele é casado? Tem
filhos?”
Bem acompanhado
Rafinha está em boa companhia. Deve se sentir incentivado para exercer
seu rosário de preconceitos. Provavelmente pensa estar “quebrando
paradigmas”, investindo contra o estabelecido e externando uma rebeldia
adolescente, que lhe granjeia grande popularidade e bons cachês.
Ridicularizar e humilhar quem tem poucas chances de se defender, em uma
sociedade com desigualdades abissais como a brasileira, é um grande
negócio. Prova isso a lista de clientes dos shows do moço, que constam
de sua página na internet. São elas Votorantim, Bosch, Agroceres, LG,
HP, Ernst & Young, IBM, Banco Real, Vivo, Springer Carrier, Cargil,
Unilever, Motorola, Chevrolet, Sherwin Williams, Valor Econômico, Bunge,
GNT (Globosat), Jornal O Estado de S. Paulo, Coca-Cola, Bradesco, ESPM
etc. Segundo a Veja, ele foi visto em mais de 730 comerciais somente
neste ano.
Rafinha faz parte de uma tendência do humor televisivo, que se abriu
após a chegada dos humoristas do Casseta e Planeta ao vídeo. A linhagem
envolve também o programa Panico (da Rede TV!) e outros imitadores, além
do Zorra Total, da Globo. Todos se dizem distantes da política,
independentes e praticantes de um humor anárquico e sem freios. Nem
mesmo a participação de Marcelo Tas comopalestrante em um encontro da
juventude do DEM ,em novembro de 2008, ou de Marcelo Madureira nas
palestras hidrófobas do Instituto Millenium, os comprometem, segundo
eles, com idéias que não as próprias.
Acima da cintura
Num panorama desses, repetimos: qual o problema de Rafinha Bastos?
O problema é que o garoto bateu acima da cintura.
Tudo bem desancar garis, a esquerda que foi à luta nos anos da ditadura,
exaltar a parcialidade da imprensa e atacar homossexuais e outros
grupos vulneráveis.
Não pode é investir contra o topo da pirâmide social.
Rafinha cometeu esse pecado. Wanessa Camargo é casada com Marcus Buaiz,
31 anos, herdeiro de um dos maiores conglomerados empresariais do
Espírito Santo, o Grupo Buaiz, que completa 70 anos em 2012. O grupo é
formado pela TV Vitória (afiliada da Rede Record), por duas rádios, pelo
Nova Cidade Shopping Center, por várias empresas de alimentação (Café
Número Um, Moinho Três Rios e Moinho Vitória), pela Buaiz Importação e
Exportação, pela incorporadora Meca e pela Automóbile Comércio de
Veículos, entre outras.
Marcus Buaiz transferiu-se para São Paulo, onde é proprietário de casas
noturnas e restaurantes, além de uma empresa de marketing esportivo, a
9INE, em parceria com o ex-jogador Ronaldo Fenômeno. Segundo o jornal A
Gazeta, de Vitória, o empresário e seu sócio teriam ameaçado tirar
anúncios do programa, após a performance de Rafinha Bastos. “Um
comercial de 30 segundos no CQC custa 130 mil reais. Já um merchandising
pode custar de 240 mil a dois milhões e 400 mil reais, sem incluir
cachês”, diz a publicação.
Com tudo isso, a Bandeirantes podou Rafinha Bastos de sua programação.
Dois pesos
O curioso da história é que intenção semelhante, de retirada de um
comercial de lingerie do ar, por parte da ministra da Secretaria
Nacional de Políticas para Mulheres, Iriny Lopes (PT), foi classificada
como censura por colunistas de imprensa e até por colegas seus na
Esplanada dos Ministérios.
Na peça, em três versões, Gisele Bundchen faz as vezes de uma esposa
prestes a dar uma péssima notícia ao marido: estourou o limite do cartão
de crédito, bateu o carro ou informa que sua mãe virá morar com eles. É
um machismo digno dos anos 1950. Os publicitários da agência
Giovanni+DraftFCB devem ter achado o máximo a própria criação. No clima
de boçalidade modernosa, não há problema na mulher bonita, mas
dependente do marido provedor, invocar seus atributos eróticos para
conseguir o que quer.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, a representante governista assim
se manifestou: “A propaganda caracteriza como correto a mulher dar uma
notícia ruim apenas de lingerie e errado estar vestida normalmente. Essa
definição de certo e errado caracteriza um sexismo atrasado e
superado”.
A ação da ministra está a quilômetros de distância das ameaças que
teriam sido feitas pelo marido de Wanessa Camargo ou pela ação da
Bandeirantes, que sem mais tirou Rafinha do ar. Iriny apenas solicitou
ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) a
suspensão da peça publicitária.
O mundo desabou sobre sua cabeça, com insinuações sobre estética
feminina e inveja da modelo.
O caso Rafinha Bastos é pedagógico. No Brasil, além das mulheres,
qualquer minoria pode ser atacada. Menos uma: a minoria dos
endinheirados.
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