Decreto sobre cotas para negros e índios em concursos no Rio cria polêmica entre os especialistas

RIO - O decreto que cria cotas para negros e índios em concursos públicos no Estado do Rio cria polêmica entre os especialistas do segmento - atingidos diretamente pela medida, que pode fazer com que pessoas com notas mais baixas sejam aprovadas. Publicado no Diário Oficial de terça-feira, dia 7, O decreto nº 43.007, do governador Sérgio Cabral (PMDB), reserva 20% das vagas em seleções para pessoas dessas raças nos quadros do Poder Executivo e das entidades da administração indireta do Rio de Janeiro.

Para Paulo Estrella, diretor do curso preparatório Academia do Concurso, a norma desequilibra o processo democrático do concurso e quem acaba perdendo são os candidatos que não se enquadram nas cotas e o próprio serviço público, que deixa de ter ingressando em seus quadros os candidatos melhor preparados.

- A medida resolve estatisticamente o acesso da população negra e indígena ao funcionalismo público, mas não atua sobre a base da questão. O sistema de cotas não corrige o desvio na origem - considera Estrella.

Segundo ele, apesar da dívida histórica que o país tem com negros e índios, quem necessita de apoio não é a totalidade dessa população e sim uma parcela pobre que não teve acesso a um ensino de qualidade e acaba ficando à margem do mercado de trabalho.

- Os negros com condições econômicas de ter um ensino de qualidade não têm necessidade de cotas. Por outro lado, as populações carentes, independentemente da cor da pele, têm grandes dificuldades de se posicionar no mercado de trabalho e também de serem aprovados em concursos públicos por causa da baixa qualidade de ensino das escolas públicas.

O professor Ernani Pimentel, presidente da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac) acrescenta que o percentual de cotas não corresponde ao percentual de negros e índios no estado do Rio e ainda discrimina os brancos e os de origem asiáticas mais pobres, o que, a seu ver, configuraria outra injustiça.

- Os (negros e índios) que iriam preencher as cotas seriam os mais bem preparados e de melhor nível econômico, e, por isso mesmo, não precisariam delas - ressalta Pimentel.

Seguindo a mesma linha de Estrella e de Pimentel, o professor Ricardo Ferreira, autor do livro 'Manual dos Concurseiros' e criador da Feira do Concurso, acredita que o sistema de cotas sociais funcionaria melhor neste caso, já que poderiam também ser contemplados estudantes da rede pública e pessoas com comprovada baixa renda.

- Provavelmente esse sistema de cotas sociais acabaria por beneficiar, em sua maioria, negros, índios e outros grupos que, historicamente, não têm acesso aos cargos públicos em igualdade de condições por dificuldades econômicas.

Já Sérgio Camargo, advogado especializado em concursos, acredita que atrelar o acesso destas culturas simplesmente por sua origem étnica seria pouco objetivo, levando em consideração a realidade brasileira. Uma ideia é que as cotas valessem a partir da demonstração dos últimos impostos de renda, que comprovem a hipossuficiência, além de incluir aqueles candidatos que comprovassem período de três anos, por exemplo, nas escolas públicas municipais.

Para Estrella, a verdadeira origem do problema é a qualidade do ensino público. Caso este tivesse a mesma qualidade do ensino privado, todos, independente da cor da pele, do nível econômico e social, teriam as mesmas condições de ingressar na carreira pública.

- De que adianta corrigir as estatísticas com as cotas se nada fazemos com a origem do problema? Este se perpetua junto com as cotas. O problema do ingresso foi corrigido pelas cotas, que viraram muleta para a população que as utiliza. Quando haverá a cura para o problema, quando tiraremos as muletas e deixaremos essa população caminhar sozinha? - questiona o professor.

Ferreira, por sua vez, conclui que qualquer que seja o critério adotado para reserva de vagas será um paliativo. Ele concorda que a solução do problema passa por investimentos na educação, principalmente no ensino de base.

O decreto assinado pelo governador do Rio entra em vigor em um mês e vigorará por dez anos. Caberá à Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos acompanhar e elaborar relatórios sobre os resultados da iniciativa. A medida não vale para os concursos cujos editais já tenham sido publicados.


Um comentário:

Alabê Nunjara disse...

Não culpo a população brasileira, muito menos culpo o posicionamento de pessoas tão ilustres e brilhantes que não tem um debate e um discurso aprofundado neste assunto, entretanto seria interessante lembrar aos posicionadores de opiniões imediatas e pragmáticas, de certa forma, que os negros(africanos) construíram o Brasil desde os inícios de 1500 até os finais de 1890 sem receber um mísero centavo por isso. Quatro milhões de africanos de diversas partes da África vieram para o Brasil sem pedir ou querer em quase 400 anos. Quando se findou a escravidão, quando foi abolida, o governou brasileiro fez política pública de incentivo e inclusive financiamento para que três milhões e meio de europeus pobres viessem trabalhar e morar no Brasil em 40 anos, inclusive ganhando terras, sendo que esses africanos(negros) ficaram a ver navios. Isto se perpetuou nas cinco gerações até agora.
A diferença entre brancos e negros são enormes. Temos 55% de negros no Brasil, ou seja 110 milhões de negros e temos 80 milhões de negros pobres(70%), enquanto temos 48% de brancos no Brasil, ou seja cerca de 90 milhões e apenas 27 milhões de pobres brancos. Como pode isso?