Ruralistas contra-atacam

Por João Montenegro em 07/02/2011 

Nas semanas seguintes à tragédia das chuvas na Região Serrana fluminense – já definida como o maior desastre ambiental da história do Brasil – muitos jornalistas lembraram que tramita no Congresso Nacional o projeto de lei 1876/99, cuja relatoria foi do deputado federal Aldo Rebelo, que altera o Código Florestal, prevendo, entre outras mudanças, a redução de 30 para 15 metros a Área de Proteção Permanente à beira de rios entre cinco e dez metros de largura.
A meu ver, nada mais pertinente do que tocar no assunto em meio ao atual contexto, pois, afinal, boa parte das perdas humanas e materiais ocorridas em Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis e municípios fronteiriços se deram porque havia construções próximas demais a rios, alguns dos quais, inclusive, tinham menos que cinco metros de largura. E, como já é de vasto conhecimento, os rios precisam não só de matas ciliares para sua proteção, como dos espaços de várzeas em seu entorno para transbordar quando cheios. Trata-se, portanto, de um movimento absolutamente natural, contra o qual é infrutífero lutar.
No entanto, principalmente pelo fato de que muita gente, entre ONGs, jornalistas e ativistas, aproveitou o momento para falar de ocupações de encostas e outros temas relacionados, lobistas, ideólogos e técnicos patrocinados pela bancada ruralista publicaram artigos e enviaram cartas a jornais argumentando que o PL 1876/99 nada tinha que ver com o que ocorreu na Serra do Rio de Janeiro. Assinalaram ainda que áreas de mata virgem sofreram deslizamentos, “desmistificando” a ideia de que o desmatamento e a ocupação irregular são os maiores responsáveis por tal fenômeno.
Meus aplausos para esses gênios da ciência e da lógica. Abster de culpa um projeto de lei que, obviamente, por ser ainda um projeto, não está em vigência, é quase como descobrir a cura para a AIDS, não é verdade? Deve ser mesmo falta do que falar, ou melhor, necessidade desesperada de dizer algo a seu favor na iminência da aprovação de uma lei que castigará ainda mais um dos maiores patrimônios que um país pode ter, que é sua bacia hidrográfica.
Não é papo de ambientalista, porque não sou, mas há de se ter bom senso e pragmatismo nessa questão. Se, hoje, os limites que cerceiam as construções próximas aos rios já não são respeitados ou fiscalizados, porque, com essa redução, isso mudará? E mais: será mesmo que, num país como o Brasil, de dimensões continentais e milhares de hectares improdutivos, é preciso desmatar e ocupar justamente as proximidades dos rios, enfraquecendo-os e , ainda por cima, pondo em risco os potenciais ocupantes dessas áreas? Acredito que basta fazer os devidos cálculos para o governo perceber que as receitas obtidas pelos pecuaristas com as mudanças propostas seriam facilmente superadas pelo ônus subsequente.
Quanto ao tema das ocupações de encostas, isso, de fato, não guarda relação alguma com o projeto, que não autoriza a ocupação das encostas, como é informado em nota no site do deputado Rebelo (http://www.aldorebelo.com.br/?pagina=noticias&cod=1361, acessado em 7/2/11). Está claro que ao menos os jornalistas bem informados abordaram a questão das encostas porque é comprovado e respaldado por qualquer geólogo que o desmatamento dessas áreas contribui para a intensificação dos efeitos da lixiviação e intempéries naturais sobre o solo, levando à ocorrência de deslizamentos. É fato também que há encostas e encostas: algumas delas, podem até ser ocupadas, desde que sistemas de drenagem e contenção sejam feitos; outras, no entanto, por particularidades de seu solo, não comportam ocupação alguma. Nesses locais, é absolutamente normal que ocorram deslizamentos, com ou sem mata virgem em cima, como ocorreu em Angra dos Reis, no ano passado, e na Serra fluminense, em janeiro deste ano. Vale lembrar que a ocorrência de deslizamentos suscita a formação de clareiras, as quais fazem parte de processo natural de regeneração das matas, por permitirem que a luz incida diretamente sobre pontos do solo que precisam ser renovados.
Noves fora, faz-se necessário mencionar, frente à obsessão dos ruralistas por expandir indiscriminadamente sua área de exploração, que as chuvas que atingiram o Rio de Janeiro no mês passado, causando uma profusão de cabeças d’água nunca antes vista por nenhum habitante da região, assim como as que vêm causando transtornos em sequência em São Paulo – hoje, não mais a “terra da garoa”, mas dos “torós” – e diversos outros acontecimentos no mínimo suspeitos mundo afora, estão relacionados às ações do homem na Terra. Acredito que, somente com base no que já é da ordem do consenso em todo mundo, isto é, de que os danos causados pela humanidade ao meio-ambiente estão comprometendo seus recursos, dos quais nós, homens, necessitamos para sobreviver, o governo já teria motivos suficientes para barrar um projeto de lei que periga afetar justamente o fluxo de águas em nosso país.
Infelizmente, o Capital imediato, de curto prazo, cuja viabilização por parte de políticos é a melhor das ferramentas eleitoreiras, está do lado dos ruralistas, que continuarão enchendo lingüiça nos meios de comunicação até o PL 1876/99 ser aprovado. Caberá à sociedade civil mobilizar-se, deixando o mais às claras possível as relações que o Código Florestal e o PL em questão podem vir a ter com tragédias como as supracitadas, a fim de não dar brechas aos textos tendenciosos publicados pelo pessoal do Agronegócio, e ao governo, tomar a decisão mais correta com vistas ao bem estar da população brasileira, o qual é e sempre será integralmente dependente da preservação ambiental.
fonte: http://www.consciencia.net/

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