No mês de junho, as Unidades de Polícia Pacificadora chegaram à Grande Tijuca, na zona norte do Rio de Janeiro, com a ocupação dos complexos do Borel e do Andaraí. A previsão é de que 1,7 mil policiais ocupem as favelas da região até o final do ano, empregando a mesma violência contra o povo nas oito favelas já ocupadas anteriormente na capital fluminense. Não obstante, a substituição dos homens armados do tráfico varejista pelos da polícia, segue acirrando os conflitos entre moradores e polícia nas favelas ocupadas militarmente. Polícia nas favelas: terror cotidiano
Em meio a uma série de denúncias de abusos do Batalhão de Operações Especiais da PM contra os moradores do recém-militarizado complexo do Borel — que reúne os morros da Casa Branca, Chácara do Céu, Catrambi, Morro da Cruz, Bananal, Indiana e Formiga —, no dia 7 de maio foi instalada a nova Unidade de Polícia Pacificadora na região, que funcionará dentro de três contêineres. Segundo moradores, desde o início de maio, quando o BOPE chegou aos bairros pobres do complexo do Borel, toques de recolher, revistas vexatórias, invasões de residências, saques, agressões, torturas, humilhações e vários outros tipos de abusos vêm sendo cometidos pelos policiais contra os trabalhadores que vivem nas favelas do complexo.
— Ontem mesmo [30 de maio] meu vizinho teve que ficar de cueca fora de casa apanhando de um sargento do BOPE enquanto o resto do bando revistava a casa dele. Depois de tudo, os vizinhos foram consolar o rapaz, que ficou chorando na escada se tremendo todo de nervoso. Arrombaram o cadeado do terraço dele, levaram dinheiro, jóias da esposa dele, controle do videogame do filho, um assalto a mão armada mesmo. Até uma garrafa de whisky eles levaram. A gente passa o dia rezando pra não ser o próximo a passar por isso. Tem morador que prefere agradar eles, falando bem da UPP pra esses jornais, dando copo de água, café. Mas isso é a minoria mais cabeça fraca, que prefere estar bem com a polícia do que com a comunidade. Todo mundo aqui achou que aquele papo bacana que a televisão divulgava da UPP era verdade, mas agora está todo mundo vendo que nunca vai ter paz com a polícia no morro. Pra ter paz de verdade aqui, tem que ter escola, hospital e trabalho pra todo mundo — protesta o mecânico Eronildo de Castro Barbosa, de 34 anos, nascido e criado no complexo do Borel.
Já no dia 11 de junho, o complexo do Andaraí — que reúne as favelas da Nova Divinéia, João Paulo II, Juscelino Kubitschek, Jamelão, Santo Agostinho e Arrelia — foi ocupado pelo BOPE, como preparação para implantação da próxima UPP, que contará com 290 policiais.
No dia 19 de maio, o morador do complexo do Andaraí, Hélio Ribeiro, de 47 anos, usava uma furadeira para concertar um toldo em sua laje, quando foi baleado por policiais do BOPE que faziam uma operação na favela.
— O que fizeram com aquele rapaz? Ele só segurava uma furadeira. Esse é o nosso medo. Ficamos meio apreensivos de que eles comecem a nos esculachar — disse um morador do complexo do Andaraí ao jornal Extra do dia 11 de junho.
Moto-táxis são as novas vítimas da militarização Ladeira dos Tabajaras: perseguição mesmo na legalidadeO moto-táxi é um dos únicos meios de transporte disponíveis para os trabalhadores que vivem nos morros do Rio de Janeiro. Depois de chegar às margens da favela após um cansativo dia de trabalho, moradores ainda enfrentam ladeiras intermináveis até chegar em casa. Durante a madrugada, quando grande parte das linhas de ônibus e vans não opera mais, a dificuldade é maior e o serviço dos moto-taxistas torna-se a única opção para quem quer chegar ao alto desses bairros pobres.
Porém, nas favelas ocupadas pela PM, o serviço de moto-táxi tornou-se alvo de campanhas difamatórias e criminalizadoras, contando para isso com o empenho do monopólio das comunicações. Nos morros do Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, uma série de restrições foram impostas pelo comando da UPP para boicotar o serviço oferecido pelos moto-táxis, o que revoltou os moradores.
— Tenho 62 anos e não aguento mais subir essas escadas até a minha casa. Depois da UPP, o moto-táxi não é mais garantido. Um dia os meninos estão trabalhando e no outro não, porque a polícia não deixa. Isso é uma falta de respeito com esses meninos. O pessoal da UPP fala que eles são do tráfico, mas isso é uma grande mentira. Que traficante que quer subir e descer o morro carregando morador ganhando 1 real por viagem? Esses garotos trabalham muito pra sofrerem esse tipo de acusação. Sem o moto-taxi, como as pessoas idosas vão sair de casa? — questiona a aposentada Jovelina Tavares.
Já na Ladeira dos Tabajaras, os moto-taxistas cruzaram os braços acusando o comando da UPP de persegui-los. Isaías Mendes, representante dos trabalhadores, diz que todas as exigências iniciais da polícia foram cumpridas por todos os profissionais e mesmo assim, a perseguição continua.
— Eles disseram que todo mundo tinha que ter carteira de motorista, documento da moto em dia e andar com dois capacetes e nós acatamos tudo direitinho. Agora eles voltam com essa história de ligação com o tráfico. A realidade é que não querem deixar a gente trabalhar de jeito nenhum. Daqui a pouco colocam uma empresa pra fazer moto-taxi e tiram o nosso trabalho — afirma o rapaz.
PMs espancam músico no morro Dona MartaCom informações da Rede de Movimentos e Comunidades Contra a Violência No morro Dona Marta, o morador Emerson Cláudio Nascimento dos Santos, de 30 anos, ou Fiell — conhecido em todo o Brasil pelos raps que compõe e os filmes que faz — critica duramente o Estado policial e as UPPs. O morro Dona Marta serviu como laboratório para implantação da primeira UPP no Rio e tornou-se a vedete do monopólio das comunicações para propagandear a política de ocupação militar das favelas cariocas.
Desde o início da ocupação policial, o rapper questiona a abordagem feita pela PM aos moradores, que assim como nas outras favelas militarizadas, inclui agressões, torturas e roubos. Mas no dia 22 de maio, o próprio Fiell foi espancado e preso arbitrariamente durante uma festa no bar de seu sogro José Alves dos Santos — conhecido como Zé Baixinho.
— Os policias passaram aqui no bar 21h e avisaram que se o evento não passasse das 2h, eles iriam me prender e pegar os equipamentos de som.Eu fiquei em alerta, e quando no relógio faltavam 5 minutos para as 2h, eles invadiram o bar sem nenhum mandado e saíram desligando todas as tomadas do som. Peguei minha filmadora e comecei a filmar toda a cena, pois eu não acreditava no que estávamos vendo. Em nenhum momento os policiais pediram para baixar o som. Falavam que era ordem da Capitã Priscila — afirma o músico, citando a comandante da UPP do Dona Marta.
— Com o som desligado, eu peguei o microfone, que estava funcionando, e comecei a indagar os PMs. O cabo Damião, da UPP, não gostou da minha atitude e me deu ordem de prisão por desacato. Protestar agora é desacato? Sem reação violenta pedi para fazer uma ligação e pegar meus documentos que estavam a 10 metros do bar, mas o cabo me puxou do palco e me arrastou até a viatura. No trajeto até a Blazer da PM, os 12 policiais foram me espancando sem parar — acusa Fiell.
— Para chegar até a viatura eles tiveram que passar em frente ao DPO [Departamento de Polícia Ostensiva]. Foi quando eu vi mais três PMs saindo do DPO e vindo na nossa direção. Eles chegaram perto de mim e seguiram com o espancamento. Me bateram no rosto e nas costelas até chegar na viatura, quando me jogaram dentro da caçapa — afirma o rapper.
— Pedi que minha mulher me acompanhasse e eles a seguraram pela gola da blusa e a jogaram violentamente na caçapa. Quando chegou na 10ª DP, em Botafogo, autuaram ela por desacato também. Como pode? Até o meu cunhado, que foi até lá só para levar os meus documentos, foi autuado por desacato. Eu contei a minha versão, mas a delegada falou que só acredita nos policiais e isso é o que vale, pois eles têm “fé publica”. Que país é esse onde os pobres não tem direito a nada e se falar alguma coisa leva porrada? Depois fui ao IML fazer exame de corpo de delito, pois estou todo machucado devido às agressões. Esse é o tratamento dado pela UPP aos moradores que questionam o que é errado — conclui o músico indignado com mais esse abuso no rastro da militarização. |
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